Os Muros

Muito antes de amar as cidades, eu já odiava os muros. Eu já atuava no mercado imobiliário, ainda nem sabia o que era  urbanismo, e eu já odiava os muros. Odiar tijolos é estranho, ainda mais esse tipo de ódio que não se abate com o tempo, um ódio visceral aos malditos muros. Eu mesmo chego a me perguntar por que, afinal, tanto ódio? Os muros dividem e destroem nossas cidades, estrangulam o espaço público, matam a vida das ruas, a conectividade e roubam a urbanidade das cidades.

 

Pior ainda, o muro sequestra nossa perspectiva. Existem espaços que não entramos com nossas pernas, mas com nossos olhos. O muro cega a perspectiva e no mesmo ato perverso, mata a segurança.

 

O maldito muro destrói sem parar. Não só cerceia o acesso e a perspectiva, reduz a segurança, como também imobiliza a cidade. Cidades andam na direção ao futuro, mas muros bloqueiam o caminho destruindo a vitalidade das cidades pois sem movimento não há adaptação em um mundo em constante mutação.

 

Na Idade Média, a vida era barata, com riscos até por sair à rua à noite. Viajar era uma aventura perigosa; cidades eram frequentemente saqueadas e por isso eram muradas. Mas aqueles muros ficaram obsoletos, primeiro pelas balas de canhão, logo a seguir, por uma maior civilidade em nossa sociedade. Os muros perderam a razão de ser e, hoje, não existem mais cidades muradas. O mundo evoluiu e  preferimos comerciar à saquear, trocar produtos, serviços e conhecimentos, em vez de guerrear, interagimos e nos relacionamos. Assim evoluiu o mundo, mas não aqui onde voltamos a construir muros, não em volta das cidades, mas em volta das casas e dos prédios. Aparentemente, ficamos para trás, sem evoluir.

 

Existem outros tipos de muros, uns transparentes, de vidro, fingindo que nem são muros, outros, mais enganadores são completamente invisíveis. São muros feitos de placas que gritam – “não entre” ou com olhares de truculência, de um cão bravo, nos dizem – “Não pode”. Existem muros disfarçados de ecológicos, chamados de cercas vivas, e existem muros imateriais que mesmo sem nenhum tijolo, te esmagam com constrangimento, humilhação, ignorância e exclusão. Existem muros da inveja e do ressentimento, do sectarismo e da ideologia, muros sem pedras, feitos de ideias mais duras ainda. E outros muros também invisíveis que criam divisões muito presentes apesar de ocultos – das classes, das raças, das religiões. Muros etéreos, imperceptíveis, e mesmo assim, gigantes, sufocantes, repugnantes. Muros sem tijolo nem cimento, construídos por mentes vazias sem pensamento, que te escravizam sem correntes, que te aprisionam sem chance de fuga e que te matam sem você perceber que já estava sem vida, emparedado por eras sem tempo. Este é o supremo muro cego, que te oculta a sua própria existência. Acho que foi por causa desses muros que tanto odiei todos outros muros.