Uma história de alguém tentando encontrar um rumo na vida.

Palestra Instituto de Formação de Líderes 18 agosto 2014

 

Queria contar um pouco da minha história. Vamos começar do começo – Nasci em 1953…., mas acho que isso não tem nenhum interesse para o que quero contar aqui. Vamos um pouco mais para frente. Em 1977, meu pai Aron foi informado pelos médicos que viveria de seis meses a três anos. Ele vendeu o Banco Crefisul e criou a Arbi, com uma corretora de valores no Rio de Janeiro, que o Daniel, meu irmão, tocava e uma empresa de investimentos imobiliários em São Paulo, que caberia a mim tocar. Falei – “Pai, nós não entendemos nada desse negócio imobiliário”. Mas ele depreciou minhas preocupações dizendo– “Quem já tocou um banco como eu, não vai ter nenhum problema em tocar um negocio tão rudimentar como imóveis”. Logo descobri que realmente entendíamos menos que nada. E como o velho não tinha mais ânimo para pensar em investimentos para o futuro, deixou tudo nas minhas inexperientes mãos de 24 anos de idade. Pouco depois, em 1981, ele veio a falecer. Em 83 fiz uma cisão com meu irmão e fiquei sozinho no negócio imobiliário, aqui em São Paulo. A partir daquele mesmo ano passei a focar no mercado de escritórios, no que tivemos bastante sucesso. Isso até o ano 2000 quando entramos em crise e eu tive que reestruturar a empresa. Deixem-me contar como foram esses vinte e poucos anos, e vou fazer isso falando de alguns prédios.

 

Nosso primeiro edifício de escritório foi a construção da nova sede da Becton & Dickenson, que foi um dos primeiros “Built to suit” do Brasil, acho que nem existia a expressão. Nesse caso vendemos o prédio para própria empresa.

 

No segundo caso, com a Arthur Andersen, que hoje se chama Accenture, realizamos algo também inédito. Alugamos para AA e concomitantemente vendemos para o fundo de pensão da IBM.   Talvez vocês não lembrem, mas naqueles tempos a inflação era algo como 30 por cento ao mês. Você não conseguia obter um financiamento mas se você conseguisse, você estava morto. Aqueles juros beirando os 50% ou coisa parecida, serviam mais para enterrar do que ajudar qualquer um.

 

O B8, Sede do Deutsche Bank, foi uma revolução naquela época. Entre outras coisas, era o primeiro prédio “especulativo”, ou seja, construído sem um cliente definido, totalmente revestido em granito.  A compra dessa fachada de granito mostra muito da empresa e do mercado daquela época. No processo comum de então, o granito era instalado com argamassa, o que, frequentemente, deixava o granito manchado. Queríamos uma fachada com granito instalado por grampos. Uma das poucas empresas habilitada a fazer isso era a Moredo. Lembro que eles pediram 300 dólares por metro quadrado de fachada, o que totalmente inviabilizava o granito. Tínhamos de buscar uma solução. Fomos visitar a feira de mármores e granitos de Cachoeiro de Itapemirim, capital do granito no Brasil. O setor tinha procedimentos totalmente arcaicos. Quem tirava blocos das jazidas vendia pelo dobro do custo, quem serrava o bloco, vendia as placas serradas elo dobro, quem polia as placas, vendia pelo dobro do que comprava. Era tudo muito singelo, sempre ‘pelo dobro’. Acabamos comprando blocos de granito na mina, mandando serrar, polir e cortar as placas. Achamos um instalador para colocar o granito pelo método que chamávamos de “americano” na época. Tudo custou 100 dólares por metro.  Outro fato interessante desse prédio foi a forma como que o financiamos. Como já dissemos não havia financiamento, pelo menos não para nós.  Naquele tempo, a OAS queria entrar em São Paulo. Eu disse para eles – “Dou a obra para vocês, mas por uns 12 meses vocês tem que tocar sem receber. Pago um juros de..” Não sei de qual juros falamos, mas era algo possível. Eles toparam. E foi assim que fizemos até que o Deutsche Bank apareceu e comprou 60% do prédio a vista por 25 milhões de dólares.  PS.: Isso era mais do que o custo do prédio inteiro

 

O B21, 1990, queríamos avançar a tecnologia dos prédios, aproximar do que era feito lá fora, nos EUA e Europa. Fomos ao Estados Unidos contratar arquitetos e acabamos contratando uma das mais conceituadas empresas de arquitetura, a Skidmore, Owins & Merril. Era nosso primeiro projeto com arquiteto americano e o arquiteto encarregado era o David Childs, que recentemente projetou o Freedom Towers.  Alem do arquiteto também utilizamos a Jarus, Baum & Bolles, uma das mais conceituadas empresas de engenharia do mundo. Alias eles fizeram a engenharia do Freedom Towers, também.  Naquele projeto não houve evolução mas uma verdadeira revolução, mudamos muitos paradigmas. Num tempo que nem existia palavra sustentabilidade já coletávamos a água da chuva. Uma das nossas marcas era inovação, a outra a qualidade. Outro dia o Joao Teixeira, que na época era vice-presidente e hoje dirige o fundo GTIS no Brasil, me lembrou de um episódio. Os arquitetos tinham desenhado um detalhe de alumínio, decorativo para as esquadrias. Era caro e o João me trouxe os custos dizendo- “Rafael, se você cortar esse detalhe, economizamos suficiente dinheiro para você comprar aquela BMW que você não tem”. Respondi –“João, prefiro deixar o prédio mais bonito e continuar andando com meu Passat”.

 

Em 1996, fizemos o B29, um “built to suit” para JP Morgan, talvez um dos clientes mais exigentes que já encontrei. Fizemos o prédio com a SOM e todos os mesmos projetistas americanos que já usávamos e que o JPM estava acostumado. O prédio era uma obra de técnica e qualidade de acabamentos. O Morgan ficou com os seis últimos andares. Logo vendi um dos andares remanescentes para o Beto Sicupira da turma da AmBev. Foi um negocio de dois telefonemas. Mas nesses telefonemas uma das coisas que o Beto pediu foi meu compromisso de que eu construiria um heliponto adequando aos helicópteros que ele, o Jorge Paulo e o Marcel usavam. O prédio não tinha Heliponto, mas agora teria. Só depois descobri os helicópteros deles eram os maiores modelos existentes. Nesse meio tempo, o Morgan me interpelou dizendo que não aceitaria o barulho de um heliponto encima do ultimo andar deles, exatamente no andar das salas de reunião e almoço ara clientes do banco. Fui levando essa situação até a entrega do prédio. Com essa preocupação, fiz janelas com superproteção acústica e vidros de quase 20 milímetros. O Morgan pediu um teste de acústica. Subimos no último andar e combinamos para que o helicóptero do Jorge Paulo pousasse no prédio. Ficamos aguardando e nada, o helicóptero não chegava. Depois de algum tempo alguém veio avisar que o helicóptero tinha pousado e levantado voo. Ninguém de nos tinha ouvido nada. Um problema a menos.

 

Ao mesmo tempo estávamos incorporando o B24, em Santiago no Chile. Uma das razões que fomos ao Chile era para poder usar o numero 24 lá, longe do Brasil.

O Chile estava uns 10 a 15 anos na frente do Brasil em questão de financiamento. Lá conseguimos financiar 100% da obra em condições que, para nos vindo do Brasil, eram inacreditáveis. Algo com 5% de juros ao ano. O choque cultural era tão grande que nosso diretor no local, o hoje presidente da Tishman Spayer no Brasil, o Daniel Cherman, não queria pedir ao banco financiamento como eu estava solicitando, que era dois terços do terreno e mais 100% da obra. Ele achou que seria negativo para nossa imagem no Chile “pedir” tal montante. Para nós do Brasil, naqueles anos, financiamento era quase um favor no qual o banco nos honrava aceitando nossas solicitações. E fazia por que eram muito gentis e não por interesse comercial próprio. Mas também trouxemos novidades aos chilenos. Nossa estratégia era manter o prédio integralmente numa SPE, para ser totalmente locado ao final da obra. Os chilenos estavam acostumados a fracionar e vender andares para financiar e reduzir riscos.  Nosso edifício “El Birmann” marcou época no Chile. Recentemente foi vendido por um preço recorde no Chile e nosso sócio da época, o fundo Las Americas, hoje, reconhece como a nossa estratégia estava correta.

 

Enfim, na Birmann, não queríamos comer prato feito, e ainda discutíamos com a Chef. Tudo era discutido e questionado. Nem engenharia, nem jurídico, nem  contabilidade.  Tudo era questionado. E se não entendíamos o que os experts diziam, era porque eles não sabiam o que estavam falando.

 

Tínhamos o que se chamaria hoje de Visão Holística, o pelo menos tínhamos essa pretensão.  Era uma Estrutura difusa. Chamávamos isso de Project Oriented, o que poderíamos traduzir por uma tremenda bagunça.  Mas uma bagunça eficiente. Todos cuidavam de um projeto inteiro participando de tudo, ou pelo menos todos tinham essa possibilidade. Para aquele time, com aquela motivação, participação e espírito de desafios, nada era impossível. Nos estávamos convencidos que os obstáculos ruiriam a nosso frente só por nossa “Vontade Forte”, igual as trombetas derrubando as muralhas de Jericó.

 

Achávamos que com criatividade encontraríamos a solução para qualquer desafio, e talvez por isso, depreciássemos as dificuldades. E os desafios nunca eram modestos. Não havia  limites,  o jogo era pensar grande.  Estudar pesquisar, olhar lá fora e repetir aqui. Havia muito pouca concorrência, o mercado estava de portas abertas para nossos planos. Era uma ambição desmedida, mas não por dinheiro. Era para fazer, para realizar, para entender.

 

Havia também uma crença nas pessoas. Eu acreditava que a empresa devia proporcionar a todos a oportunidade de se desenvolverem e crescerem profissionalmente. Eu queria isso pra mim e para os outros. Talvez por isso houvesse tanta dedicação e lealdade.

 

Hoje, anos depois, a imagem que ficou da Birmann é mais fruto das lembranças daqueles que passaram por aquela cultura do que fruto dos prédios que foram construídos, os quais apesar de não serem tantos assim, não deixaram de ser bastante significativos.

 

É difícil identificar o momento do “olho do furação”, da crise, mas uma data  marcou bastante – a data da maxi desvalorização do início de 99.  O espelho reflete, mas, talvez por caridade, esconde dos teus olhos a verdade. A ficha cai, mas em câmera lenta. Mas sempre, irremediavelmente, chega ao fundo do buraco. Fiz uma auto-liquidação da empresa. Naquele momento tínhamos 300 milhões de dólares em dividas e em obras a realizar.  Liquidamos tudo e aquela Birmann deixou de existir…. Saímos de 400 pessoas em 2500 metros para 30 pessoas em 180 metros.

 

O que tinha dado errado? Tenho uma frase que sempre repito – “nenhum empresário gosta de chegar numa situação como a que chegamos, mas todos chegam lá com as próprias pernas”.  Apesar da grande competência e lealdade da equipe, eu tinha dificuldade de gerir pessoas, de definir e cobrar metas, demitir quem não as atingisse. Nunca consegui implantar um sistema de meritocracia. Faltava um arcabouço de gestão institucionalizada, uma disciplina de estrutura organizacional, e eu não sabia como criá-la.  Talvez com essa disciplina tivéssemos condições para melhor aproveitar o que tínhamos de melhor – a criatividade, a inteligência e competência nos produtos, mas sem ela nem toda criatividade resolveu.

 

Talvez também tenha havido um excesso de complacência, prazos esticados demais, uma certa arrogância, um certo desleixo e despreparo, o que levou a  perda de certas oportunidades. Mas algo nunca deu errado! Os produtos. Qualidade se paga, te da resiliência e te ajuda a sobreviver.  O grande erro talvez tenha sido, em 1997, quando optamos por buscar sócios para expandir em vez de encolher a empresa. Dizer não, recuar, são atos muitas vezes necessários, atos de coragem, como todo grande general sabe.

 

Qual é o final da história?  Vi a luz branca mas voltei. Rebrotamos em um novo formato. Estrutura pequena, focada em apenas dois negócios bastantes diferentes um do outro, em duas SPE separadas, e com diferentes sócios. Sócios que agora aportavam capital e para os quais eu, nesta nova vida, teria que responder. Algo que não ocorria no passado.  Os dois negócios são bem especiais.

 

O B32 – Comprei o primeiro terreno do B32 lá atrás, em 98, quando estava super entusiasmado com o sucesso do nosso B 29. Logo a seguir ainda comprei mais umas três casas mas logo depois paramos por falta de dinheiro. As coisas ficaram assim até 2003. Impaciente com aqueles anos de marasmo tentava de tudo para voltar a comprar os terrenos e completar um terreno factível para desenvolver um prédio. Lembro que naqueles anos eu me sentia como um prisioneiro acorrentado a minha mesa, amarrado em uma situação paralisante e totalmente frustrante. As conversas com investidores acabam sempre em mutismo, sem uma resposta. Era a forma constrangida de eles dizerem não. Isso durou ate 2005 quando comecei a negociar com Fábio Zogbi. Eu havia proposto ao Fábio que investisse em algumas casas, coisa de poucos milhões de reais, nada para aquele turco que havia ficado milionário quando sua família havia vendido a Ripasa por uns 800 milhões e seu Banco (Zogbi) por uns 200. Hoje nem lembro se eram reais ou dólares, mas até ai não faria diferença.

 

O Fábio ficou interessado, mas depois de alguns dias, igual a tantos outros, ligou dizendo que havia falado com alguns parceiros e que “tinha uma má notícia. Haviam decidido fazer o investimento”. Cansado daquela frustração toda falei – “ok! Só me faz um favor me empresta pelo menos esses dois milhões de reais pois eu já avancei muito nas negociações das três casas e seria um pena se eu não  concluir as aquisições nessas condições tão boas. Depois vemos como te pago ou se você fica no negocio”. Fábio disse- “ok”. Parecia uma donzela que dizia não enquanto agia como se tivesse dito sim. Acabamos comprando aquelas casas e no final o Fábio e seus parceiros entraram no negocio. Finalmente consegui concluir a formatação do terreno em 11.100 metros.  E com isso em 2007 iniciamos a elaboração e aprovação do projeto. Como estava parado há muito tempo, eu estava com sede de discussão de projeto, com vontade de trabalhar. Refletindo sobre o que tinha sobrado dos meus anos na Birmann decidi fazer do B32 uma nova escala na elevação do padrão em escritórios. E dessa reflexão conclui que deveria atuar em três frentes: revisar e atualizar todas as especificações técnicas do prédio. Avançar no entendimento da interação do prédio com a cidade e por fim, rever todo arcabouço de forma como a propriedade dos prédios era estabelecida e na forma com a gestão dos mesmos era feita.  Como sempre eu era bem ambicioso mas como diz aquela frase famosa de Daniel Burnham – “Make no little plans; they have no magic to stir men’s blood”. Ou poderia citar nosso grande empresário, Jorge Paulo – “Sonhar pequeno custo o mesmo que sonhar grande”

 

Quanto mais eu avançava nessa proposta mais eu enveredava por uma discussão e exame do projeto por ângulos inéditos para um projeto imobiliário. Você certamente irão questionar qual o sentido de uma incorporação, algo essencialmente feito pelo lucro, investir tempo e dinheiro em assuntos com urbanismo, simbolismo, comunidades, teatros, tudo quase impossíveis de gerar um real de lucro. São coisas difíceis de justificar. Bom, pode ser até que eu não devesse fazer isso, mas eu estava muito a fim de fazer. E isso é algo que eu estaria até disposto a pagar para fazer. Afinal só dinheiro é algo muito pobre. Claro que eu sempre quis ser rico, mas rico de outras coisas também, não apenas limitado pelo dinheiro. De qualquer forma, eu encontrei uma justificativa “comercial” para tudo isso. Existe certo componente subjetivo no valor de um prédio, certas propriedades se tornam o que esse chama no jargão do setor – “Trophy properties”. Essa classificação e mais a “construção do endereço” são fatores que podem reduzir o “Cap Rate”, aquele fator que se usa como divisor da renda anula de um ativo para se calcular o valor que algum investidor esta disposto a pagar. Qualquer redução de 0,5% no cap rate, de uma obra dessa envergadura, pode significar uns 100 milhões adicionais no valor do imóvel.  Sempre trabalhei para fazer meus produtos únicos, fugindo da acachapante “comoditização” que sempre existiu no setor.  E assim seguimos e assim estamos construindo o B32. Não sem lutar com muitos empecilhos,  que alias nem merecem tal nome pois eram mais obstáculos gigantes. As aprovações na prefeitura, a compra das nesgas, o córrego, a necessidade de pagar pela “maldita ruazinha” que, no meu entendimento já era nossa e nunca da prefeitura. Enfim tudo aquilo que o Brasil coloca em nosso caminho não só para ver se tropeçamos como também, gosto de imaginar, para nos tornar mais valorosos, expeditos e ate competitivos.

 

Permitam-me  mostrar um pouco o B32, a praça, a baleia, o teatro e é claro o prédio….

 

Fazenda Paranoazinho e a Urbanizadora Paranoazinho SA

 

Em 2007, o B32 já estava andando mas eu continuava a procurar investidores e negócios quando a sempre presente sorte, destino, ou providência para os mais crentes,  me deparei com essa área em Brasília. 16 milhões de metros enrolada em um espólio por mais de 20 anos com mais de 50 herdeiros, advogados e outros interessados estranhos. Contra a recomendação de meu filho Ricardo, do meu advogado Marcelo e da minha diretora Solange, decidi investir no negocio. Era super arriscado, pois havia questões legais, parceiros ruins, um mercado cheio de trambiques, enfim tudo de ruim. Por outro lado tinha um desafio e uma área enorme, do tamanho de qualquer ambição de fazer. Era na linha do que eu acreditava que o Brasil precisava. Para além dos loteamentos, e da comoditização dos negócios nas cidades. Eu acreditava na necessidade de projetos com componente urbanístico, ou seja em que se construísse o tecido urbano, a infraestrutura das cidades. O Brasil é carente disso e o que se faz é só uma pobre expansão de área urbana por loteamentos, de fraca atratividade, sem conceituação. Esses projetos ate que merecem a ofensiva alcunha de especulação imobiliária. A área em Brasília era um projeto que por sua escala, lucratividade, localização, permitia que se pensasse grande. A história de como conseguimos recursos para investir, como enfrentamos quase insuperáveis obstáculos, e ainda estamos tendo que enfrentar, vai ficar para um longo livro que provavelmente o Ricardo vai escrever.  

 

Aqui só vou contar um pouco sobre o projeto para que vocês tenham uma visão da dimensão do que estamos falando……

 

Esses dois projetos ainda tem imensos desafios mas eu já estou pensando o que fazer depois. Eu ainda não falei para vocês mas pretendo viver até os 99 anos. Cem anos seria muito arrogante para um sujeito modesto como eu.

 

Pretendo continuar trabalhando no que entendo e gosto mas dentro de uma proposta “não business” ou mais elegantemente dito “not for profit”. Nessa situação muitos diriam que fazem isso para “devolver algo”. Essa é uma expressão que detesto. Eu não roubei nada, só recebi favores de meu pai, e se fui tratado com correção e justiça, também sempre tratei a todos do mesmo modo. Não tenho que devolver nada.

 

Vou fazer isso por que gosto. Gosto de urbanismo, gosto da discussão, e gostaria de ver minha cidade mais perto de tantas outras cidades que conheço. Não por patriotismo mas por que moro aqui. Talvez por um pouco de vaidade. Parafraseando aquele poeta cafona mas que eu adoro, Catulo da Paixão Cearense, – “Gosto de fazer o que gosto por que meu gosto é gostar.”

 

Pretendo fazer outras coisas no âmbito da Fundação Aron Birmann, que é uma proposta de promover o bom urbanismo para São Paulo, sem duvida um dos problemas mais complexos e chaves para o Brasil. Pretendo participar dessa discussão, por um lado tentando tirar essa carga ideológica, que tanto ofusca as verdadeiras questões que necessitam de solução, e por outro ajudando a convencer os empresários do setor a ir mais alem, adotar uma visão mais urbana, e desculpem essas palavras tão desgastadas – mais solidária e mais inclusiva. A imagem do nosso setor é tão ruim quanto seu discurso.

 

Quero trilhar esse caminho. Urbanismo, Ética, Liberalismo são discussões que me apaixonam.  Permitam-me entrar um pouco nessas tais questões urbanas, assunto quase que onipresente atualmente.

 

Essa é realmente uma discussão de cegos, surdos e mudos, onde gostaria de buscar uma ótica mais liberal, pragmática, com análise de custo beneficio.

 

Vamos falar um pouco sobre planejamento urbano. Todo dia ouvimos que necessitamos de mais planejamento e mais regulamentação. O que temos hoje é um excesso de mau planejamento baseado em ideias não testadas, que resultou no que temos hoje. Você é criacionista ou evolucionista? Que isso tem a ver com urbanismo? Eu da minha parte sou evolucionista. Imagino as cidades crescendo como um organismo vivo, sem um “inteligent design” nem divino nem burocrático. Fruto da ação de milhões de indivíduos e não de uma colmeia controlada por uma zelosa e mal humorada abelha rainha.

 

Sou totalmente contra uma visão ideológica, onde abstrações defendem abstrações, governo defendendo o bem comum. De gente imobilizada em conceitos ultrapassados, de um marxismo obscurantista. Criou-se toda uma discussão com foco distorcido – como a divisão entre o espaço público e espaço privado. Essa divisão virou fetiche, tornou-se a coisa “mais importante do mundo”. Ou aquela outra expressão repetida ate a náusea – “está ocorrendo a mercantilização do espaço e das funções da cidade”.  Também proponho reduzir o absolutismo dos valores – O “Verde” é o único Deus e todos têm que adorá-lo, e ainda mais com uma fé inquestionável, afinal a razão deixou de ser necessária nesses tempos pós-modernos.

 

Outro conceito distorcido – O individual em conflito com o social. Mais um como tantos outros conceitos incongruentes que não suportam 15 minutos de analise factual. Na verdade essas questões só refletem a ojeriza sobre tudo o que é privado, individual, concreto, de carne e osso.

Somos Indivíduos vivendo em sociedade. Não precisamos abrir mão de nossa individualidade para viver em sociedade. Ser indivíduos não quer dizer que vamos sair nos matando uns aos outros por um “lucrinho a mais”. Psicopatas podem fazer isso, mas não porque sejam individualistas.

O que acontece com as cidades hoje? Como entender “o que esta aí”, como dizia nosso querido molusco, de insalubre memoria. É a herança maldita de anos de “planejamento”. Não houve falta de planejamento e regulamentação. Puro mito. O que ouve sim foi planejamento que deu errado. “Precisamos de mais regulamentação”. Será? O aprendiz de feiticeiro não quer apenas ser o mestre, mas, impávido sobre os erros do passado, segue querendo ser rei, um Deus desenhando nos céus novos mundos perfeitos. Apreender com a historia é para os “pobres mortais”.

 

Muito desse planejamento, de origem modernista, é fruto de conceitos e ideias lá do século passado. Ideias do Fordismo e da ordem da indústria aplicadas às cidades. Casas deveriam ser maquinas de morar e nos iríamos inventar um novo homem para morar nessas “maquinas”. De volta a velha “tabula rasa”. Graças a Deus, Le Courbusier não conseguiu destruir Paris como era sua proposta do plano Voisin. Mas se “Deus Corbu” não conseguiu criar, sem antes destruir é claro, sua brilhante Ville Radieusse, não se preocupem, seus profetas Oscar e Lucio, conseguiram emplacar Brasília. A frase que eu amo odiar é aquela que Lucio Costa disse –mais uma vez copiando Corbu –  “…quero destruir a rua, pois ela é feia e suja”.  Mas não foi só Brasília. Todos esses conceitos de cidade jardim, sem rua e sem gente, da baixa densidade, bucólica, de fantasias de um passado e uma vida do bucólica do campo que provavelmente nunca existiu, são uma reação aos problemas das cidades da revolução industrial, sim lá de meados do século 19, que permeiam nossa cultura de planejamento, pelo menos quase ate ontem.

 

O que aconteceu foi mais ou menos o seguinte: os arquitetos com uma ambição messiânica desmedida queriam mudar o mundo e haviam concluído, pelas novidades que eles viam no fim do século 19, começo século 20, que eles sabiam como. Seria um mundo lindo, higiênico, sem ruas sujas. Cidades seriam desenhadas com grandes jardins e uns poucos prédios muito altos. Nos andaríamos em maravilhosos carros a alta velocidade, símbolo da modernidade desses arquitetos. Mas não só de carros, eles sonhavam também com aviões, com os quais voaríamos de prédio em prédio, separados uns dos outros por “maravilhosos gramados”.  Tudo seria muito arejado e saudável. Os homens seriam todos iguais, morando em idênticos apartamentos industrializados, pré-moldados, conceito maravilhoso da indústria, fonte de toda modernização e progresso.

 

Essa visão de baixa densidade, do automóvel, permeou nossas ideias e nossas leis de zoneamento. Isso somado a explosão populacional e o crescimento das cidades no século 20, resultou no caos atual. O Brasil em 1950 tinha 50 milhões de habitantes majoritariamente vivendo no campo e hoje temos mais de 200 milhões, quase 90% dos quais nas cidades. O desafio estava acima de nossas capacidades. Os incorporadores, na sua ganância simplória, só executaram o que os arquitetos desenhavam dentro das leis que outros arquitetos e burocratas escreviam. Tudo isso baseado nos conceitos do urbanismo modernista, que por sua vez, de forma pueril, havia se apaixonado por aspectos totalmente transitórios da economia capitalista. Toda essa conversa de século 20 parece totalmente fora do tempo e do espaço. Démodé, não é? Não, não é.

 

Este mês o CAU, Conselho de arquitetura e urbanismo de São Paulo, recém-separado do CREA publicou a primeira edição de sua revista. Extrai algumas frases, só para mostrar como, hoje, a cegueira é a forma de visão preferida.

“Não podemos nos iludir: as metrópoles não são caóticas em nada. Essa é a lógica do capital: causar o desequilíbrio do tecido urbano, esse caráter físico espacial para perpetuar a opressão sobre os outros. O caos é muito bem planejado.” “… as metrópole foram construídas de forma estúpida, dentro de um modelo mercantilista e rodoviário sempre em torno do exército industrial de reserva, promovendo o desencontro e o medo” Alexandre Delijaicov, professor da FAU/USP há 14 anos.

 

Será que ninguém explicou a ele que o capitalismo atual exige mão de obra treinada e altamente qualificada? Empresários ganham dinheiro com o caos? Pensei que comercio gostasse de estabilidade e somente prosperasse na paz e na ordem.

 

“Devido à desregulamentação das políticas publicas e o assedio das multinacionais, o capital já transformou serviços públicos, como saneamento, transporte, coleta de resíduos, iluminação, tudo mesmo, em mercadoria. Política urbana é desenhada pelo clientelismo e pelos capitais que tomas conta da cidade” Ermínia Maricato livre docente em arquiteta e urbanismo da FAU /USP.

 

Realmente a privatização da telefonia, do saneamento, das rodovias e dos aeroportos só trouxe atraso (????).

 

“é preciso redesenhar as cidades…precisamos ouvir a população e a universidade para assim representar o anseio popular ...” Ciro Pirondi, arquiteto ex-presidente do IAB.

Errar é humano mas repetir é burrice. Esse ai não se conforma com os erros já realizados. Exige o direito de continuar errando.

 

Outra frase de uma das nossas luminares do urbanismo: “O direito à moradia é absoluto. O direito à propriedade é relativo”. “Nossas cidades são um grande negócio na mão de poucos. Ou seja, lobbys muito bem organizados funcionam pra levar a cidade para um caminho que não beneficia a maior parte da população.” Ermínia Maricato, é mais uma dessas que pretendem ser um farol iluminando tudo, mas é só mais um poste atrapalhando a vista.

 

Meu interesse é buscar juntar urbanismo com um pouco de liberalismo, visão totalmente ausente das discussões. É o engraçado é que no seu discurso os arquitetos insistem em dizer que o pensamento deles tem que lutar contra a visão dominante do liberalismo. Eu pergunto por que eu sempre estou tão constrangedoramente sozinho em qualquer um desses fóruns? O certo é que tem que ter coragem para defender o liberalismo, a verdadeira visão “contraria”.

 

Uma das coisas mais engraçadas é quando eles dizem que educação, saúde, etc.. Só devem ficar na mão do estado e não das empresas. Por quê? “O estado se preocupa com a bem comum e as empresas somente com lucro dos seus acionistas.” Vejam o que é a semântica, a força das palavras em transmitir uma mentira.

 

Apesar disso, chega ser engraçado como eles conseguiram vender essas ideias ate para os capitalistas. Todos aceitam isso como se fosse totalmente verdade. Posso demonstrar que as empresas não priorizam o lucro. Tenho uma demonstração “cientifica”, lembrando o “socialismo cientifico”. Vou apelar para um dos profissionais mais simplórios, desdenhado e sem imaginação da história – o “Contador”.  

 

Vejamos o balanço da empresa: o Ativo é o que a empresa possui, utiliza. Suas fabricas, recursos financeiros, prédios e terrenos. O Passivo representa os fundos que suportam aqueles ativos, aquela atividade, tanto de terceiros (a sociedade externa) como o capital dos sócios (os capitalistas). Vocês sabem que na contabilidade, e ate mesmo na lei, a prioridade de reembolso dos itens do passivo? Começa de cima para baixo, com as dívidas imediatas de credores ou funcionários (recursos sociais), dívida com bancos e outros (mais recursos sociais) e finalmente, caso sobre algum, a ultima prioridade é o pagamento dos acionistas (recursos dos capitalistas egoístas). Mas somente depois de cumprir com todas outras prioridades. Assim sendo onde esta a prioridade do lucro? De acordo com a lei, se uma empresa vai à falência, quem recebe primeiro, prioritariamente? E quem fica a ver navios?

 

Vejamos por outro ângulo: você como empresário, qual é sua maior preocupação? É o lucro? Ou é ter clientes pagantes! Sem receita não existe negocio.  E quem são os clientes? São os outros, a sociedade. Ou seja se a sociedade não acha que o que você produz é bom, que vale a pena adquirir, a sociedade não compra seus produtos e você quebra. Mas você como capitalista só quer o lucro ??? Lucro é só consequência da eficiência da operação, de uma empresa que tem na sua razão de existir no atendimento da sociedade, ou seja, do mercado.

 

E o governo? Esta lá pensando no bem comum? Se um funcionário de algum hospital público, não atender bem a um paciente, o que acontece?  Nada. Se um policial, agente do monopólio da violência estatal, agir de forma exageradamente violenta, ou tratando um cidadão como criminoso, o que acontece? Nada. O coitado do cidadão sozinho não tem nenhum poder algum para enfrentar a burocracia, para enfrentar o rei. Em que pensam os funcionários públicos todo tempo? Nos seus salários, pensões e benefícios, nos seus direitos e demandas, aliás, todas muito justas.

 

Claro que tem muito incorporador safado que só faz muita merda. Obvio. Como também existem excelentes funcionários públicos realmente pensando no melhor para cidade. Tudo bem. Mas que tal parar a guerra de classes e começar a pensar de forma clara, pragmática, objetiva, sobre como resolver as cidades?

 

Dentro dessa linha de pensamento e achando que um dos grandes fatores de mudanças é o exemplo estou preparando uma proposta para a prefeitura. Nosso chamado projeto “Quarteirão da cultura”

Alguns de vocês devem ter ouvido falar daquela área no Itaim bibi que o prefeito anterior, Kassab, queria muitoooo vender para JHS. Eu acredito que não se podem sacrificar todas as áreas publicas para execução de projetos imobiliários. Afinal o que faz um imóvel privado valer, em grande parte, é seu entorno público. A cidade é composta das duas coisas. Publicas e privada e certas áreas tem essa vocação pública e aquela área do Itaim é uma delas. Mas a área esta subaproveitada só por que é área publica não se justifica ser subaproveitada. Também não é tão publica assim. É toda murada e utilizada por um número bem reduzido de pessoas.

 

Minha proposta seria aliar lógica, competência e recursos, privada para fazer algo publico. Alias é isso que falei ao prefeito Haddad: ele necessita de um exemplo de ação com a iniciativa privada um exemplo que mostre que a prefeitura não atua exclusivamente com visão estatizante, que esta disposta a estender a mão ao outro lado. É como eu penso: Você não converge com os aliados, você converge com os adversários.

 

A proposta é executar uma incorporação imobiliária em parte do terreno e utilizar 100% dos recursos para readequar a área e todo seu entorno. Apesar eu não ver anda de errado em haver lucro em parcerias com o estado, nesse caso emblemático acho fundamental que minha proposta esteja embasada em uma atuação totalmente sem lucro.

Esse projeto da uma visão de ação urbana que ainda não existe em São Paulo

 

O projeto seria assim …………………..

 

 

 

Enfim é dessas discussões que eu quero participar.

 

Como alguém disse nada mais fácil do que dar conselhos e nada mais difícil como conhecer a si mesmo. Mas, não resistindo a minha tendência para “catedrático moralista”, vou dar um conselho: Encontre a paixão, siga para onde o tesão aponta, que é sempre para frente.  E vá fundo, faça tudo com dedicação, estudando e questionado, seja o melhor que você puder ser e não se envergonhe em deixar a emoção, o coração e a poesia participar das coisas a sua volta.  Garanto que você será muito rico. Rico de uma riqueza mais rica que dinheiro, uma riqueza sem fim  que quanto mais você espalhar ao longo do caminho mais rico você ficará. 

 

Obrigado